Selecção de dados:
há razões para isso?
Muito falam os criacionistas (na internet são uma praga (a.))
de filtrar dados quando se trata de estudos filogenéticos. Observações do tipo “é
melhor para a teoria descartar os dados” ou “filtrar os dados de modo a manter
o paradigma” são comuns entre os críticos religiosos e esta verborreia
reciclada foi provocada pela publicação na revista Nature de um artigo científico
intitulado «Inferring ancient divergences requires genes with strong
phylogenetic signals», especialmente por causa disto: «These results (…) argue
that selecting genes with strong phylogenetic signals and demonstrating the
absence of significant incongruence are essential for accurately reconstructing
ancient divergences.» (1)
Mas o que certas pessoas não percebem é que seleccionar os
dados não é a mesma coisa que descartar dados para manter o paradigma ou “ajustar
dados controversos”. Há razões válidas para que certas características sejam
desprezadas num determinado tipo de estudo. Há razões (que nada têm a ver com
“manter o paradigma”) para seleccionar o que interessa usar para uma análise
filogenética: durante a evolução de um determinado grupo, é comum perceber que
características evoluem a velocidades diferentes. Por outro lado, outras
características evoluem muito rápido. Esta evolução pode ser tão rápida ao
ponto de que a história evolutiva desta característica seja “apagada”. A
capacidade de uma característica de reflectir a história evolutiva de um
determinado clado é chamada de sinal filogenético. As sequências conservadas
são melhores do que sequências que divergiram muito, por exemplo. E evidências
da evolução é o que não falta (b.). O que os cientistas querem perceber é as
relações exactas entre as espécies.
Notas:
a. Aqui estão dois exemplos: http://darwinismo.wordpress.com/2013/10/05/jonatas-o-evolucionista/
(na caixa de comentários) e http://darwins-god.blogspot.pt/2013/06/contradictory-trees-evolution-goes-0.html?showComment
b. Várias são apresentadas aqui, no meu outro blog: http://allthatmattersmaddy32.blogspot.pt/
Evolução vs
hipótese alternativa (criação inteligente)
Quando os cientistas investigaram a origem de certas
estruturas biológicas (incluindo aquelas propostas pelos pessoal do Discovery
Institute) foram capazes de perceber mais ou menos o que aconteceu. As mutações
(e até mesmo a selecção natural) deixam rasto. E nós sabemos que esses
processos ocorrem naturalmente em todas as populações de organismos que se
reproduzem (até pode ser apenas uma molécula de RNA, desde que esta se
replique). Hipóteses evolutivas têm tido bastante poder explicativo em relação
a isso. Analisando as evidências podem tirar-se conclusões sobre duplicações,
fusões e sobre a maneira como as proteínas podem ter evoluído novas funções
(por exemplo). Sendo proposto que uma dada estrutura bioquímica com várias
partes tenha, por exemplo, sido o resultado de uma série de duplicações e
exaptação, essa hipótese pode ser confirmada ao analisar a estrutura, as
semelhanças entre as proteínas, as funções destas e a vantagem evolutiva que
determinado estádio possa ter conferido ou não. É de um modo semelhante que os
cientistas têm investigado a origem de certas estruturas/sistemas biológicos. A
duplicação de genes é a uma das marcas da evolução – genes que se duplicaram e
divergiram são uma óptima maneira de evoluir novas proteínas (e isso foi
demonstrado experimentalmente). O criacionismo do Design inteligente não tem
poder explicativo, além disso encontram-se os sistemas/estruturas tal como
seria de esperar se tivessem evoluído, duplicando e modificando proteínas, como
os cientistas vêm acontecer quer na realidade quer em simulações. Mas mesmo
assim os criacionistas podem dizer que foi o deus deles que fez as alterações
ao longo do tempo, mimetizando os processos naturais e passamos do argumento da
ignorância do “não pode ter evoluído” (que é era normalmente a base da
argumentação dos criacionistas do D. I.) para “imita processos naturais, por
isso não pode ser desmentido”. Mas o que se faz a hipóteses não-testáveis e que
não servem para explicar nada é descartá-las. O criacionismo do design
inteligente não consegue explicar nada e, tal como todas as convicções religiosas
há uma certa altura em que vai ter de fugir aos testes da ciência. Um exemplo
em que isso acontece é quando afirmam que não se consegue distinguir se as
semelhanças são devidas ao design ou à ancestralidade comum. Mas mesmo assim,
visto que não é obrigatório ter a mesma sequência para ter a mesma função na
maioria dos casos (e há vários exemplos de funções semelhantes, mas com
sequências diferentes) e pelo padrão genealógico geral (incluindo os fósseis), ainda é possível escolher a hipótese da ancestralidade
comum. Mas já se nota a tentativa de fuga.
Sobre complexidade
e informação:
Quanto à questão da CSI (informação complexa e
especificada), se adoptarmos o critério probabilístico, qualquer sequência
aleatória de 20 aminoácidos corresponde ao limite proposto por Dembski, pelo
que, pelo menos nessa perspectiva, não tem grande significado para a causa do
design inteligente. Se aplicarmos esse critério á adaptação, teria de ser calculada
a probabilidade de uma boa adaptação surgir por processos naturais, incluindo
mutações e selecção natural (com um limite de 1/10^120), de acordo com o
próprio William Dembski, não estando nada garantido relativamente á “presença”
de informação complexa e especificada nos seres vivos. Relativamente a atingir
um determinado “pico” adaptativo, é bastante fácil arranjar um modelo em que
uma população pode chegar a um pico adaptativo muito elevado através da
selecção natural e de mutações, não sendo necessária a acção de um deus ou
deuses (2).
Quanto à complexidade irredutível normalmente tem como
antecessora a complexidade redundante e pode através desta formar-se um sistema
irredutivelmente complexo e várias hipóteses evolutivas têm sido propostas para
as várias estruturas e sistemas biológicos e têm sido confirmadas do mesmo modo
que exemplifiquei anteriormente (ver “Evolução
vs hipótese alternativa”).
Referências:
2.
«Has
Natural Selection Been Refuted? The Arguments of William Dembski», Joe
Felsenstein - Reports of the National Center for Science Education (Volume 27
(2007), RNCSE 27 (3–4)) (disponível aqui: http://ncse.com/rncse/27/3-4/has-natural-selection-been-refuted-arguments-william-dembski)
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