sexta-feira, 18 de julho de 2014

Evolução, design e biologia dos sistemas

Em biologia (especialmente biologia dos sistemas, tende-se a usar linguagem associada a design humano e propósito para descrever processos e observações, porque os cientistas estão saturados com informação sobre os mecanismos da acção e interacção de genes (e seus produtos), e precisam de se organizar de alguma maneira. Uma forma fácil é ver as coisas desta maneira: "para que serve isto tudo?" Assim, surge a biologia dos sistemas (que inclui bioinformática e biologia computacional). Mas isso é apenas uma maneira de lidar com o problema, não quer dizer que exista propósito verdadeiro (que precise de um programador/designer inteligente). Aliás, a teoria da evolução (por selecção natural) ajuda os cientistas que trabalham em biologia dos sistemas a saber porque é que "isto serve para aquilo, aquilo serve para o outro" (1). Um exemplo de um cientista que trabalha dessa maneira é o Dr. Arthur Lander (M.D., Ph.D.) da Universidade da Califórnia-Irvine. Segundo o Dr. Lander (2): 
- Há selecção de sistemas mais robustos (a perturbações genéticas e do ambiente) e não de genes individualmente;
- Epistase como efeito da selecção natural, que promove melhor uma resposta a perturbações individuais do que a perturbações combinatórias – previsão: quanto mais robustos, mais epistáticos (previsão cumprida).
- Em termos de frequência alélica: simulações mostram que alelos fracos em termos combinatórios não são facilmente eliminados de uma populações, tendendo a estabilizar numa frequência reduzida.

Agora, há quem diga (criacionistas, claro) que o design inteligente é a hipótese mais compatível com o paradigma actual da biologia dos sistemas (3). Isso está errado. Não só a teoria da evolução (por selecção natural) não tem nada de incompatível com o que se pensa e estuda em biologia dos sistemas (como pode, então, algo ser mais compatível?), como a hipótese do design inteligente não tem evidências que a apoiem, nem ajuda em nada - "o designer quis, assim foi." E não tem que ser tudo mau se não for projectado. Além de que a previsão da teoria da selecção natural foi cumprida e é útil. Os criacionistas (bem como os menos informados) precisam de expandir horizontes. Não é porque teve uma origem natural (neste caso, evolução) que tem que funcionar mal ou não muito bem. Aliás, vemos através do trabalho deste cientista, que trabalha no próprio campo (e de outros) que a teoria evolutiva é a mais útil, a melhor. 

Referências:

1. Lander, AD (2004), "A Calculus of Purpose". PLoS Biol 2(6): e164. doi:10.1371/journal.pbio.0020164 (disponível em: http://www.plosbiology.org/article/info:doi/10.1371/journal.pbio.0020164
2. Arthur D. Lander, M.D., Ph.D., University of California-Irvine: "Control, Constraint and Order in Biology: Examples from Development and Disease", UAB Comprehensive Cancer Center Systems Biomedicine Symposium, May 9, 2013 (apresentação disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=yqoPJ7-2YRo#!)
3. Snoke, David, "Systems Biology as a Research Program for Intelligent Design" (disponível aqui: http://bio-complexity.org/ojs/index.php/main/article/view/BIO-C.2014.3/BIO-C.2014.3) (via "Darwinismo").    






quinta-feira, 17 de julho de 2014

Espécies em anel

As espécies em anel não existem (no sentido clássico - subespécies que mantêm o fluxo genético ao longo do anel, mas as extremidades não cruzam, e a especiação em anel ocorre sem isolamento geográfico). Vários estudos genéticos e geológicos mostraram que o mais provável é ter ocorrido isolamento geográfico em alguns pontos de várias "espécies em anel", ainda com híbridos entre as subespécies, evidenciando assim o processo de especiação em curso, mas especiação com isolamento geográfico, até pela distância. E é isto o bom da ciência: os cientistas não se importam de descartar hipóteses que já não estejam de acordo com as evidencias, escolhendo a melhor. Ao contrário dos teólogos e criacionistas. 

Mais em: https://whyevolutionistrue.wordpress.com/2014/07/16/there-are-no-ring-species/  

Evolução de proteínas, mutações e confusão criacionista

Muitas vezes, a evolução molecular é neutra, acumulando-se mutações neutras ou até ligeiramente prejudiciais por si só, mas úteis num conjunto.  Isto não é novidade (nem aqui no blog). Algumas mutações devem ocorrer primeiro para "amortecerem" os efeitos da outras na proteína (1). Num estudo deste ano, ao analisar as vias evolutivas de uma proteína ancestral reconstruída (2), verificou-se que duas delas (as que actuavam como amortecedores) eram necessárias (3), as outras podiam variar. So far, so good. Mas os criacionistas (previsivelmente) resolveram distorcer a ciência para lá caber o deus deles (4,5). Do Discovery Institute ao criacionista de trazer por casa, resolveram dizer que este estudo demonstra que as mutações são muito improváveis ( ainda por cima são mesmo necessárias "aquelas" especificamente) e que, por isso, o designer deles (leia-se deus) fez. Primeiro, de uma coisa não segue a outra. Além disso, qualquer conjunto de mutações é improvável na mesma, mas as mutações (e o seu acumular) são inevitáveis. E se não surgisse “aquela” função, outra que servisse na altura era muito provável que aparecesse. A evolução é praticamente inevitável* com o passar do tempo. E nem todas as mutações são estritamente necessárias, só duas, pelo que li. Conclusão, não vale a pena distorcer a ciência, em nada os ajuda, apenas lhes tira qualquer réstia de crédito que tenham, ao serem desmascarados. Até lá, só cria confusão aos leitores menos informados (que é mesmo o que eles querem, não é?).

Referências:      

1. "Mechanisms for the evolution of a derived function in the ancestral glucocorticoid receptor." (disponível aqui: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21698144)
2. “Historical contingency and its biophysical basis in glucocorticoid receptor evolution” (disponível em: http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature13410.html
4. "Playing Roulette with Life", Ann Gauger (June 20, 2014) (disponível em: http://www.evolutionnews.org/2014/06/playing_roulett087011.html)
5. "13 evidências contra a teoria da evolução" ("Darwinismo", disponível em: http://darwinismo.wordpress.com/2014/07/07/13-evidencias-contra-a-teoria-da-evolucao/, comentários)

*Nota: A não ser que ocorra extinção, mesmo em situações em que se usa o termo “fóssil vivo”, há evolução, só que as mudanças não são tão significativas, e isso é mais a nível morfológico que molecular. 

Posts interessantes: 

http://sensuouscurmudgeon.wordpress.com/2014/06/20/our-existence-is-improbable-therefore/ 

http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2014/07/17/quote-mined-by-casey-luskin/ (sobre a treta das probabilidades baixas serem um problema para a evolução, com exemplos do Poker, e os erros do Michael Behe)   


P.S.: Certo criacionista que frequenta o "Darwinismo" (Jephsimple, quem mencionou o estudo), parece ter obcecado comigo. Já lhe disse que ele é muito ignorante para discutir comigo, que não queria continuar a discutir com ele, mas ele insiste e insiste. Para ele (dediquei-lha ainda hoje): “Obsessed”, Mariah carey – https://www.youtube.com/watch?v=H1Yt0xJKDY8.   

terça-feira, 1 de julho de 2014

Evolução, informação, criacionismo e uma grande confusão

Os criacionistas voltaram à carga com a diminuição/ aumento de informação, no blog do Mats/Lucas ("Darwinismo"). No texto "Dez falhas na teoria da evolução", o Mats escreve (traduz) o seguinte: «3. Ao contrário do que defendem os evolucionistas, as mutações não aumentam a informação.», ao que outro criacionista respondeu num comentário: «Trecho: Incrivelmente, foi mostrado que a informação não aumenta nas regiões codificantes do DNA com a evolução. O que os documentos acima mostram é que nem mesmo a variação da duplicação produz novas informações, nem mesmo “informação” Shannon. – http://www.bioscience.org/fbs/getfile.php?FileName=/2009/v14/af/3426/3426.pdf.» Depois, ele continua, apresentando uns valores probabilísticos estranhos (e muito baixos), sem qualquer justificação, cálculos, clarificação ou contexto: «O biofísico Hubert Yockey determinou que a seleção natural teria que explorar 1,40 x 10 ^ 70 códigos genéticos diferentes para descobrir o código genético universal ideal que é encontrado na natureza. O montante máximo de tempo disponível para que se originassem é 6.3 x 10 ^ de 15 segundos.» Sempre gostava de ver esses cálculos. E exactamente a que se referem no original (selecção natural?). 
Relativamente ao que o Mats escreveu, e o comentador "Jephsimple" tentou apoiar com um artigo, é treta e já foi abordado anteriormente. Quanto ao artigo em si, fiquei curiosa, mas quando vi o nome do autor desconfiei. David Abel é (muito provavelmente) um criacionista do design inteligente, não é biólogo, nem parece ter qualquer tipo de formação na área, nem sequer em ciência, pois é do tipo que apenas afirma (sem demonstrar) nos artigos que escreve (1). Portanto, diz um criacionista para o outro. De sobreaviso, resolvi consultar os artigos citados pelo autor (ou, pelo menos, os resumos). Aqui está um trecho: «Although bacteria increase their DNA content through horizontal transfer and gene duplication, their genomes remain small and, in particular, lack nonfunctional sequences. (…) When selection is not strong enough to maintain them, genes are lost in large deletions or inactivated and subsequently eroded.» (ref. 65) Há maneiras de perder genes e ganhar genes (informação genética). Nada que diga que a duplicação (mais mutações) não aumenta a informação e não cria novos genes (pelo contrário), só que enquanto uns se criam, outros podem perder-se. Para a teoria funcionar, não é preciso que seja sempre a aumentar e nunca a desaparecer. No nosso genoma, por exemplo, encontramos genes truncados (a que faltam bocados e já não produzem proteínas). É normal. Não é necessário nenhum designer por causa disso.
Outro artigo citado (ref. 71) sobre o aumento da informação (Shannon) com a evolução, (do qual também só consegui o resumo) parece não ter nada a ver com a teoria da evolução em si, mas com a origem da vida. Outro ainda, sobre o mesmo assunto, do qual não consegui encontrar nem o resumo data de 1984. Porque será que não arranjaram nada mais actual? Mesmo assim, um artigo bem mais recente mostra-nos que a informação (Shannon) aumenta quando aplicada a selecção (natural) (2). Eu comentei também no "Darwinismo", mas duvido que os criacionistas percebam a confusão que fizeram (de propósito?).

Referências:

1. http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2012/02/02/more-bad-science-in-the-literature/

2. http://nar.oxfordjournals.org/content/28/14/2794.full.pdf+html