sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Planear um estudo científico

Lendo o meu próprio título, pergunto-me: e há mais algum tipo de estudo que seja credível? A resposta é: não. Poder-se-ia argumentar que a psicanálise deriva apenas da observação clínica e não de um estudo formal. O que acontece é que o que se pode tirar da observação clínica é útil, mas deve sempre ser complementado com estudos científicos, pois as observações podem não ser de generalizar. E, convenhamos, a psicanálise não é ciência no sentido rigoroso (o que não quer dizer que não tenha a sua utilidade terapêutica, embora bastante limitada a meu ver). Nem os psicólogos de hoje a aceitam como tal. Por exemplo, se não existiam traumas que pudessem explicar os transtornos psicológicos dos pacientes, era possível, segundo Freud que o trauma viesse do imaginário do paciente, que até este desconhecia. Isto não é testável. Enquanto que alguns estudos apontam para que eventos passíveis de constituir trauma estejam associados a vários transtornos, incluindo transtornos de personalidade e que até possam provocar alterações no desenvolvimento do cérebro e isso na prática clínica seja fácil de verificar, os "traumas imaginários" não são verificáveis. Quanto muito essa interpretação pode dar ao paciente um sentido à sua patologia e reduzir o stress associado (o que pode contribuir para a recuperação). Mas o tema principal do post é o planeamento de um estudo científico. Ao planearmos um estudo, seja em que área for, há que controlar o máximo possível as hipóteses alternativas que podem competir com as que se querem testar. Um exemplo é o caso dos bebés que acalmam com música heavy metal. Numa aula de Métodos e Técnicas de Investigação, o professor pediu-nos (aos vários grupos de trabalho) que levantássemos hipóteses sobre o assunto, sobretudo para explicar o acontecimento e propuséssemos estudos que nos permitissem testar essas hipóteses. E aqui estão:

Hipóteses:


1.      Ouviu muito heavy metal quando ainda estava no útero;
2.      Habituação a este tipo de música desde que nasceu;
3.      Tendência genética;
4.      Ter um efeito contrário ao que é geral nos bebés;

Estudos:

1.  Escolhendo uma amostra em que as futuras mães já tinham um gosto por heavy metal e tinham como hábito ouvir este tipo de música, estudou-se o número de crianças que nasceram com predisposição para heavy metal. Testou-se a predisposição para o reconhecimento e gosto pela música que os pais costumavam ouvir vs. um tema desconhecido. (Poder-se-ia ainda manipular a amostra para que as futuras mães não ouvissem heavy metal nos primeiros meses). 

2.  Numa amostra de crianças cujos pais não ouviam heavy metal, pôs-se essas mesmas crianças a ouvir esta música durante alguns meses e viu-se que parte da amostra mostrou um grau de habituação favorável e quais continuavam a rejeitar a música;

3.  Manipular uma amostra de futuras mães que já tinham tendência a gostar dessa música para que durante a gravidez e nos primeiros meses de vida do bebé não ouvissem heavy metal, para que não houvesse um efeito no útero nem nesses primeiros meses. Tendo mais tarde feito a experiência para determinar se a criança tinha tendência a gostar deste tipo de música. Assim poderia determinar-se um factor genético e não de habituação;

4.  Numa amostra escolhida aleatoriamente avaliou-se se a tendência geral das crianças é de facto para ouvir música calma ou se as crianças que preferem outro tipo de música são uma maioria ou uma minoria. 

Ao ler com atenção consegue-se perceber a preocupação em controlar para poder diferenciar entre hipóteses, enquanto nos focamos apenas num tópico. E é assim que se faz ciência.  





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