quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Os criacionistas e as probabilidades

Pois é, estou de volta com mais uma dos criacionistas. Num website chamado "Darwin's predictions" gerido pelo criacionista Cornelius Hunter (que me parece ser o único autor), este escreve sobre "previsões falsas do Darwinismo" como eles dizem. Há um criacionista já conhecido dos leitores que traduziu alguns textos de lá para português: "A evolução das proteínas. – As primeiras previsões da evolução" e "A competição é maior entre os vizinhos. As primeiras previsões da evolução".

O artigo científico referenciado pelo segundo texto fala de uma hipótese evolutiva muito específica e de um caso muito específico: o das algas verdes.

Hunter escreveu:

“Por que esta predição de longa data não foi confirmada ainda permanece desconhecido. Aparentemente, há mais fatores complicadores que influenciam a concorrência, além de parentesco evolutivo.”

Mas isto não ajuda em muito a causa do design inteligente ou do criacionismo, uma vez que:

1. Não demonstra que um designer interveio.

2. Não demonstra a TE em geral falsa nem que a evolução não ocorreu, ao contrário do que pode parecer pelo título.

Não vejo como é que isto possa ser relevante para os criacionistas. É apenas para enganar pessoas mal informadas e que não se dão ao trabalho de ler tudo com atenção. Mas este não é de perto nem de longe o pior texto. "A evolução das proteínas. – As primeiras previsões da evolução" é bem pior. Ignora a discussão científica em torno dos resultados de Axe (ver no Panda's Thumb) e pior ainda, ignora a literatura científica que demonstra que foram obtidos resultados muito maiores de probabilidades para a evolução de novas funções (e é de notar que só foi avaliada uma função de cada vez): http://molbio.mgh.harvard.edu/szostakweb/publications/Szostak_pdfs/Keefe_Szostak_Nature_01.pdf, http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0000096

Ainda no âmbito das probabilidades, os criacionistas adoram apelar para a improbabilidade inclusivamente de conjuntos de mutações pre-especificados (é só a diferença entre o joão ganhar a lotaria ou alguém ganhar a lotaria - todas as semanas/meses ou quase alguém ganha) e até de convergências evolutivas (moleculares e outras). Parecem não compreender o papel da selecção natural nem que por ser raro/improvável não quer dizer que não aconteça. Conjuntos de mutações raras, improváveis, são parte da explicação para o facto de certas pessoas terem autismo. Agora não me vai dizer que um designer inteligente concebeu propositadamente um cérebro com autismo. Normalmente um designer pretende construir coisas que funcionem bem, pelo menos e um designer inteligente (especialmente se for todo poderosos, etc.) constrói coisas que funcionem.Também, por ser difícil de perceber não quer dizer que se apele para um designer.

Mas eles não querem acreditar na evolução. Tudo bem. Não precisam de crer na TE. Há muitas evidências a apoiar a evolução como facto histórico e sabemos o que produz o tipo de mudanças que ocorreram no DNA – são as mutações (dá para ver pelas análises genéticas até alguns tipos de mutações que ocorreram ao longo da linhagem evolutiva). Tanto quanto sabemos, estas ocorrem naturalmente (incluindo conjuntos improváveis de mutações que frequentemente aparecem juntas para produzirem certo efeito (ver o caso dos autistas). Mas tudo bem, não precisa de aceitar esta explicação. Mas isso não implica que tenham que aceitar um designer, só porque na sua opinião esta não funciona. Não faz mal dizer ” eu não estou convencido, mas também não sei o que foi que aconteceu”. É claro que se pensarmos um bocadinho, eles na maior parte dos casos só não aceitam a explicação científica por motivos religiosos - daí apelarem depois para um designer. 

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