sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Sobre deuses e hipóteses...

Normalmente uma conversa com um criacionista vai dar normalmente a um beco sem saída em que eu tenho que lhe explicar conceitos básicos como, por exemplo, o que é um fóssil de transição, que o DNA é uma molécula que reage com outras, entre outros. Mas desta vez, isso não aconteceu, até porque o criacionista (por estranho que pareça) era biólogo.  

Eu: «...para mim a perspectiva mais racional é a de ter reservas [quanto à existência/inexistência de deus(es)], pois ao longo da história da ciência muito do que se dava como certo, mudou ou descobriu-se ser impreciso.»

Daniel:  «...A história da ciência não tem nada a ver com isso, porque a ciência trata de fenômenos naturais, e Deus não é nada natural. Eu diria que a ciência não é nem crente, nem atéia nem agnóstica. Com relação a esse assunto, ela simplesmente não faz ideia do que estamos conversando.»

Como, penso eu de que, tem sido bem demonstrado para quem acompanha este blog, isso não é bem assim:

Eu: «A ciência não estuda deuses, unicórnios, fadas, etc., directamente. Mas o que se descobre através do método científico pode dar para descartar/apoiar hipóteses relacionadas com deuses e religião – que se fossem confirmadas tornariam a existência dos mesmos deuses mais provável/plausível e que, sendo descartadas e substituídas por outras, a coisa funciona ao contrário.»

Daniel: «Okay, mas você está esquecendo do ponto nevrálgico. A ciência não estuda deuses ou fadas nem direta, nem indiretamente. Você está cometendo um erro bem básico: achar que as explicações científicas podem interferir em conceitos e padrões filosóficos não-científicos. Você pode provar para um crente que alega ter sido curado de, digamos, dor de cabeça, que na verdade foi o ibuprofeno que eliminou a dor por ter agido nas sinapses nervosas, que ainda assim o sujeito vai continuar fazendo saltos filosóficos rumo a Deus. “Foi o ibuprofeno que curou você” tem como resposta: “Porque Deus quis usar o ibuprofeno, embora pudesse usar outra coisa ou nada.” Que método, pensamento ou lógica científica responde a esse argumento? Nenhum, oras. As análises são totalmente separadas. A ciência não se envolve com essa última declaração, limitando-se a dizer que “o ibuprofeno, administrado ao paciente X, promoveu tal resultado.” Por sinal, eu defendo a tese do ibuprofeno aqui, mas posso aceitar o segundo argumento por fé, embora fazendo cara feia de “que coisa desnecessária…”.

Com isso, defendo que os métodos científicos são plenamente válidos para explicar o que quer que seja com relação ao natural, mas se alguém quiser apontar como causa daquele efeito Deus, gnomos, fadas, alienígenas tecnologicamente avançados ou o que quer que seja, a ciência simplesmente se cala porque ela não pode dar nome ou identidade à causa.»
Eu: «Temos aqui um problema: Sim, é verdade que as pessoas que acreditam em deus tendem a tentar que essas hipóteses escapem a qualquer escrutínio (na verdade, não há limites para o que se inventa sobre deuses e o seu exemplo ilustra bem isso), mas isso não quer dizer que, por exemplo, evidências de ancestralidade comum não descartem a criação especial (pelo menos como descrita na Bíblia). Não estou a dizer que com isso podemos descartar todos e quaisquer deuses, só um deus muito específico (o deus bíblico).»
Daniel: «Então, vamos fazer um exercício: forneça três evidências científicas de que Deus (ou uma Inteligência) NÃO está evidenciado na natureza, por favor.
De fato, a ancestralidade comum não descarta uma criação especial. Mas olha só, se você vai defender uma criação especial, então pergunto: porque o criador teria criado um processo tão brutal e cruel como a seleção natural por morte? Por que não criar um mecanismo que não envolvesse isso? A visão que apresento elimina essas perguntas da cosmovisão, porque Deus teria criado tudo “muito bom” (ou perfeito) sem esses processos, que foram introduzidos por nós, humanos. E, se você pensar, a promessa cristã é, basicamente, o final desse processo de seleção natural por morte e sofrimento, não só para os humanos, mas para toda a criação. É uma explicação com começo, meio e fim.»
Eu: «Eu queria dizer que descarta a criação especial Bíblica (é claro, que pode ser criação através da evolução, mas, como já vimos, não faz sentido). Como eu dizia, descarta-se um deus muito específico. Não podemos descartar cada deus ou cada versão que vier à cabeça do crente, pois são tantos quantos se podem inventar, e a imaginação humana é bastante fértil.»
Daniel: «Mas calma aí, se você descarta a criação especial bíblica, que alternativa você dá para uma criação especial que envolva processos racionais coerentes?»
Eu: «Na minha perspectiva, nenhuma que envolva deuses é útil e nenhuma é mais que pura especulação infundada ou invenção. A minha única alternativa é mesmo a evolução, mas essa não envolve processos “racionais” (como se fosse algo dirigido inteligentemente), mas sim processos naturais (o que é racional é concluir que evoluímos). E eu já disse que não dá para excluir todo e qualquer deus, mas versões específicas. Uma coisa de cada vez.
O máximo que eu posso dizer é que, em toda a história da ciência ainda não foi descoberta uma única evidência que apontasse para um deus (ou quando pensavam que sim, afinal era outra coisa) e que deuses até agora não são necessários para explicar seja aquilo que for que observamos.»
Nota: para ver a conversa toda, deve-se aceder aqui: https://considereapossibilidade.wordpress.com/pergunte/

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