segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O nosso cérebro (mal) adaptado

No "Que Treta", O Ludwig escreveu um texto sobre o nosso cérebro adaptado apenas para perceber parte da realidade automaticamente e sobre como a sua evolução não foi completamente arbitrária. Fica um excerto: 

« A afirmação de que somos uma combinação arbitrária de processos aleatórios é falsa. (...) o efeito de uma proteína (...) está bem determinado pela natureza física de cada molécula (...) a evolução não é arbitrária. É como uma avalanche. Nos detalhes, é caótica e imprevisível mas, a uma escala maior, tal como a gravidade e a geometria do terreno determinam por onde a neve escorrega, a selecção natural e o ambiente também forçam o caminho de cada linhagem. Por isso, soluções úteis para problemas comuns (...)evoluíram independentemente várias vezes. Se bem que um cérebro já pronto à nascença seja uma opção viável em organismos intelectualmente mais simples, para mamíferos, e especialmente para os primatas, isso seria demasiado dispendioso. (...) Há uma organização grosseira, ditada pelos genes e pelo desenvolvimento embrionário, mas os detalhes estão omissos. (...) Mas todos os neurónios são capazes de formar ou eliminar ligações conforme os estímulos que recebem e, assim, adaptar o cérebro às regularidades nos padrões sensoriais. Isto não garante crenças rigorosamente verdadeiras mas a adaptação às correlações na interacção com o ambiente força alguma correspondência entre os modelos neuronais e o ambiente que os moldou. (...)
No entanto, Mats e Plantinga estão correctos num ponto importante. A evolução de um cérebro geneticamente barato – que, por isso, se tem de adaptar ao ambiente para aprender – força os modelos mentais a corresponderem aproximadamente à verdade mas não os obriga a corresponder exactamente à verdade. E é precisamente isto que observamos. Sentimos a pedra como sólida e maciça mas, na realidade, trata-se da repulsão eléctrica entre nuvens de electrões na nossa mão e na pedra (...). Durante quase toda a nossa história o cérebro enganou-nos acerca da realidade, dando-nos ideias aproximadamente correctas mas fundamentalmente erradas.
Só nos últimos séculos é que começamos a contornar os defeitos do nosso intelecto (...) Medindo com relógios, réguas (...). Quantificando com álgebra, de forma algorítmica e mecanizada, em vez de nos guiarmos pela intuição. Construindo penosamente modelos simbólicos, parcialmente ininteligíveis, mas que podem ser testados e adaptados à realidade com rigor. (...) Não é de admirar que haja criacionistas como o Mats.»

(Treta da semana: o cérebro e a verdade: http://ktreta.blogspot.pt/2014/12/treta-da-semana-passada-o-cerebro-e.html)

Então, porque devemos confiar (ainda que com reservas) no nosso cérebro? Por causa desta parte: «Mas todos os neurónios são capazes de formar ou eliminar ligações conforme os estímulos que recebem e, assim, adaptar o cérebro às regularidades nos padrões sensoriais.» - Tudo o resto é uma extensão disso. Outra razão é: porque usamos métodos que não a nossa intuição, que evoluiu para ser útil até certo ponto, mas não para fazer ciência. 


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