sábado, 30 de agosto de 2014

Um "geneticista" (não) demonstra que a teoria da evolução não está de acordo com as evidências - genéticas e outras

    Maciej Giertych é o que cá em Portugal se poderia traduzir por engenheiro florestal e auto-intitulado geneticista e professor de genética. Não tem nenhum grau académico em nenhuma área da genética, mas sim (provavelmente) alguma formação académica a nível da licenciatura em algo que se pode traduzir por engenharia florestal aqui em Portugal, que terá sido o suficiente para fazer uma tese sobre genética florestal e, possivelmente, ter alguns artigos que tocam no assunto publicados – o que não faz dele um “geneticista”. Um geneticista é um médico ou biólogo com uma “especialização” (com instrução académica) em genética. O que ele tem não é uma especialização, é formação geral durante uma licenciatura. O trabalho dele valeu-lhe um grau designado “habilitation” duma universidade que ainda não era universidade, então é provável que o grau de exigência não seja comparável ao que normalmente se designa “habilitation”, portanto nem por aí os criacionistas, seus fãs, podem pegar. Para verem o disparate, isso é comparável a chamar geneticista a um psicólogo só porque teve uma ou duas disciplinas de genética na universidade e fez uma monografia sobre, por exemplo, evidências para a hereditariedade da psicopatia (ou outra doença qualquer), ou a um bioquímico (que tem em muitos casos a mesma “dose” de formação académica no assunto). Os criacionistas adoram-no, mas vários cientistas de vários países protestaram sobre os disparates que ele escreveu para a Nature (1) e que repetiu (e acrescentou) noutros lados (2) (e refutaram ou desmentiram alguns entretanto) (3). Se ele é professor de genética, então nesse caso, eu teria o cuidado de pôr os meus filhos (se os tivesse) numa universidade onde ele não trabalhasse.
    Ele quer levar o público leigo (sim, porque com a comunidade científica não tem hipótese) a acreditar que o facto da deriva genética e da selecção natural reduzirem a variabilidade é um problema para a evolução.
«A microevolução, a formação das raças, é um facto; as populações adaptam-se aos ambientes específicos com os alelos mais bem sucedidos a aumentarem de número enquanto que os outros diminuem de frequência ou desaparecem por completo. As alterações podem também ocorrer devido à perda acidental de alelos (deriva genética) em populações pequenas e isoladas. Ambas nada mais são que um declínio na informação genética, mas a macroevolução requer um aumento da informação genética.»

    Claro que não é nenhum problema, pois a variabilidade é reintroduzida pelas inevitáveis mutações (no caso da selecção basta aliviar a pressão selectiva) e eles saberiam que não é problema se estudassem um pouco. Actualmente há recursos, inclusivamente online, acessíveis a todos (4). Além disso, para aumentar a informação (seja em que sentido for) temos a duplicação de genes combinada com mutações pontuais. Como vêem, não há problema. Se é possível que ocorra extinção em espécies já ameaçadas e com populações pequenas? Sim. Mas isso não impede que outras populações continuem a evoluir. E registo de extinção é o que não falta - cerca de 90% das espécies. umas extinguem-se, outras evoluem. Como actualmente.        
    Como não podia deixar de ser, o Mats traduziu o texto do Giertych (e concorda com todos os disparates). Um dos seus seguidores criacionistas comentou o seguinte (citando vários artigos): 
«O que percebo é que se pega um ponto aqui e outro ali para se debater e poucos possuem uma visão completa, da dimensão que este debate precisa, que inclui diversas perspectivas em diversas áreas em seu desenvolvimento. Tal perspectiva geral, ao meu ver , é muito importante para que o debatedor adentre aos portais da disputa, sabendo os pontos mais importantes que estão em jogo. Separei alguns pontos que percebo serem cruciais nesta discussão. Antes de tudo, todos devem procurar buscar entender que o raciocinio do paradigma atual darwinista, quando Darwin, usando as observações sobre a perspectiva da biodiversificação de especies (que ocorre e que é patente diante de muitos experimentos até em tempo real ) , para se projetar na geocronologia de Lyell , com seres fósseis distintos nas bases e camadas consideradas mais antigas, serem lógicos e por isso foram convalidados como teoria pela ciência atual. PORTANTO, é necessário que se saiba o que está se discutindo nos níveis:

1. BIOLÓGICO – precisamos divulgar e estudar os trabalhos de “descontinuidade sistemática” entre grupos de especies para verificarmos os limites versus ancestralidade totalmente comum (sem limites) http://ncse.com/rncse/26/4/baraminology

2. GENÉTICO – Como nos divulgou Sergei Matsenko, a forte opinião do professor de genética, Maciej Giertych, demonstra um resumo das posições em conflito entre criacionismo e teoria da evolução http://bit.ly/1lzsChH , é preciso conhecer os trabalhos recentes do Dr J C Sanford (Entropia genética) e os trabalhos do Dr Gerald Crabtree (Fragil intelecto, publicado na TRENDS em 2010) para só então perceber o que está em jogo.

2. GEOLOGIA SEDIMENTOLOGIA – Precisamos estudar a geologia catastrofista e a formação simultanea das camadas (BERTHAUT) em contraste com a GEOLOGIA GRADUALISTA DE LYELL EM QUEM DARWIN SE APOIOU http://www.sedimentology.fr/

3. DATAÇÃO – Precisamos estudar e divulgar questionamentos aos métodos de datação radiométrico http://www.icr.org/rate/ bem como saber pelo mesnos algumas das mais de 100 perspectivas datacionais que combatem E DISPUTAM COM o paradigma geocronologico atual…

4.PALEONTOLOGIA TRANSICIONAL E PALEONTOLOGIA EM T - Temos que estudar o pontualismo que tenta justificar a falta de transicionais graduais na coluna geológica, reclamados pelos criacionistas durante 150 anos, e defendidos pelos darwinistas até recentemente, e que cessou quando Gould apresentou a tese saltacionista que defende transformações rapidas biologicas , mais escassez de variação devido preservar mais especies “na moda” entre outros argumentos. E entender a PALEONTOLOGIA EM T que é uma tese que desenvolvo desde 2010. Representa o numero pequeno de especies na coluna geologica em contraste com numero grande de especies na atualidade formando a imagem de um T. (...)

4. ORIGEM DA VIDA – precisamos estudar quimica e bioquimica, no livro FOMOS PLANEJADOS do Marcos Eberlin , artigos do stephen Meyer, Behe e outros da discovery… para combater ideias de abiogenesis, panspermia, etc que fazem a ciencia passar muita vergonha com artigos reputando ao nada a origem de tudo.... (Sic)»

O último ponto (sobre os fósseis), pelos resultados de uma pesquisa rápida online, parece-me uma invenção criacionista, pois não encontrei nenhum artigo sério sobre o assunto. Quanto ao resto, o meu comentário:

«Relativamente ao ponto 1, ao menos leu o artigo que citou? Da conclusão do artigo em 1: «Despite its use of computer software and flashy statistical graphics, the practice of baraminology amounts to little more than a parroting of scientific investigations into phylogenetics. A critical analysis of the results from the one “objective” software program employed by baraminologists suggests that the method does not actually work. The supremacy of the biblical criteria is explicitly admitted to by Wood and others (2003) in their guidebook to baraminology, so all their claims of “objectivity” notwithstanding, the results will never stray very far from a literal reading of biblical texts.»

O mesmo para o artigo citado no ponto 2: «Our experiments on the formation of strata are fundamental because they demonstrate, ‘inter alia’, that in a continuous turbulent current many superposed strata form simultaneously and progress together in the direction of the current; they do not form successively as believed originally. These experiments explain a mechanism of strata building, showing empirically the rapid formation of strata.» – Como indicado neste parágrafo, são precisas condições específicas (catastróficas), que provavelmente não se aplicam, em todos os casos, nem numa maioria, e é possível diferenciar se o tempo que passou entre camadas foi muito ou pouco (mais sobre o assunto aqui: http://www.theotokos.org.uk/pages/creation/berthaul/henke.html).

«precisamos estudar quimica e bioquimica, no livro FOMOS PLANEJADOS do Marcos Eberlin , artigos do stephen Meyer, Behe e outros da discovery…» Pode começar pelo básico da bioquímica e da genética molecular (pode dirigir-se a uma faculdade perto de si, ou simplesmente a uma biblioteca), continuar para a literatura científica (sabe, aqueles artigos que aparecem quando pesquisa no pubmed, sujeitos a revisão de pares), e só depois deve ler os disparates dos criacionistas, já com “bagagem” para perceber (pelo menos em parte) porque estão errados. Comentários e críticas de cientistas da área sobre o assunto também costumam ser úteis (para quem tem capacidade e conhecimento para perceber a matéria, claro)

Entropia genética não é, primeiro que tudo, um termo científico, é um jargão criacionista, e o que o Sanford diz (especialmente num livro dirigido ao público leigo) tem sido contestado por uma data de cientistas [que apontam que o que ocorre a nível das populações humanas não se estende a todas as formas de vida, que as mutações prejudiciais não devem ser tantas como pode parecer à primeira vista quando se pensa nisso, pois a maioria das mutações vão calhar no DNA lixo e ainda soluções evolutivas que transformam o “problema” num não-problema – ex.: epistasia sinergética e “soft selection”, com menos custos para a população]: http://letterstocreationists.wordpress.com/stan-4/,http://sandwalk.blogspot.pt/2014/04/a-creationist-tries-to-understand.html, http://newtonsbinomium.blogspot.pt/2006/10/review-of-mystery-of-genome-ii.html, [http://www.genetics.org/content/190/2/295.full - Rates and Fitness Consequences of New Mutations in Humans, Peter D. Keightley1,  doi: 10.1534/genetics.111.134668Genetics February 1, 2012 vol. 190no. 2 295-304, http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022519385701671 - Contamination of the genome by very slightly deleterious mutations: why have we not died 100 times over?, Alexey S. Kondrashov, Journal of Theoretical Biology - Volume 175, Issue 4, 21 August 1995, Pages 583–594].»


Relacionado com o assunto da acumulação de mutações deletérias aquando da diminuição do tamanho da população (e a posterior compensação através da acumulação de mutações benéficas) temos o artigo do geneticista de populações Michael Lynch (et al) de 2003, publicado na revista “Evolution” (Evolution 57, 1022-1030) *. Nem neste caso a acumulação de mutações deletérias constitui problema para a evolução.     

Referências: 

1. "Creationism, evolution: nothing has been proven", Nature 444, 265 (16 November 2006) | doi:10.1038/444265d; Published online 15 November 2006, Maciej Giertych (disponível em: http://www.nature.com/nature/journal/v444/n7117/full/444265d.html
2. "Professor of genetics says 'No!' to evolution", Maciej Giertych - Creation Ministries International (disponível em: http://creation.com/professor-of-genetics-says-no-to-evolution) - Via "Darwinismo" (http://darwinismo.wordpress.com/2014/08/29/professor-de-genetica/#comments).    
3. NATURE|Vol 444|7 December 2006 (correspondência - várias cartas)  (disponível em: http://www.eko.uj.edu.pl/rutkowska/abs/2006_nature.pdf) - Via "Pharyngula" (http://scienceblogs.com/pharyngula/2006/12/07/pigpile-on-maciej-giertych/)
4. "Effects of Genetic Drift" (disponível em: http://evolution.berkeley.edu/evosite/evo101/IIID2Genesdrift.shtml

*Nota: dois dos artigos científicos citados no texto encontram-se referenciados na discussão da página da wikipédia sobre J.C. Stanfor (a completar a página do artigo, que parece escrita por criacionistas enviesados): http://en.wikipedia.org/wiki/Talk:John_C._Sanford   

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