sábado, 12 de outubro de 2013

(Des)complicando a ciência


Selecção de dados: há razões para isso?

Muito falam os criacionistas (na internet são uma praga (a.)) de filtrar dados quando se trata de estudos filogenéticos. Observações do tipo “é melhor para a teoria descartar os dados” ou “filtrar os dados de modo a manter o paradigma” são comuns entre os críticos religiosos e esta verborreia reciclada foi provocada pela publicação na revista Nature de um artigo científico intitulado «Inferring ancient divergences requires genes with strong phylogenetic signals», especialmente por causa disto: «These results (…) argue that selecting genes with strong phylogenetic signals and demonstrating the absence of significant incongruence are essential for accurately reconstructing ancient divergences.» (1)
Mas o que certas pessoas não percebem é que seleccionar os dados não é a mesma coisa que descartar dados para manter o paradigma ou “ajustar dados controversos”. Há razões válidas para que certas características sejam desprezadas num determinado tipo de estudo. Há razões (que nada têm a ver com “manter o paradigma”) para seleccionar o que interessa usar para uma análise filogenética: durante a evolução de um determinado grupo, é comum perceber que características evoluem a velocidades diferentes. Por outro lado, outras características evoluem muito rápido. Esta evolução pode ser tão rápida ao ponto de que a história evolutiva desta característica seja “apagada”. A capacidade de uma característica de reflectir a história evolutiva de um determinado clado é chamada de sinal filogenético. As sequências conservadas são melhores do que sequências que divergiram muito, por exemplo. E evidências da evolução é o que não falta (b.). O que os cientistas querem perceber é as relações exactas entre as espécies.


Notas:

b. Várias são apresentadas aqui, no meu outro blog: http://allthatmattersmaddy32.blogspot.pt/


Evolução vs hipótese alternativa (criação inteligente)

Quando os cientistas investigaram a origem de certas estruturas biológicas (incluindo aquelas propostas pelos pessoal do Discovery Institute) foram capazes de perceber mais ou menos o que aconteceu. As mutações (e até mesmo a selecção natural) deixam rasto. E nós sabemos que esses processos ocorrem naturalmente em todas as populações de organismos que se reproduzem (até pode ser apenas uma molécula de RNA, desde que esta se replique). Hipóteses evolutivas têm tido bastante poder explicativo em relação a isso. Analisando as evidências podem tirar-se conclusões sobre duplicações, fusões e sobre a maneira como as proteínas podem ter evoluído novas funções (por exemplo). Sendo proposto que uma dada estrutura bioquímica com várias partes tenha, por exemplo, sido o resultado de uma série de duplicações e exaptação, essa hipótese pode ser confirmada ao analisar a estrutura, as semelhanças entre as proteínas, as funções destas e a vantagem evolutiva que determinado estádio possa ter conferido ou não. É de um modo semelhante que os cientistas têm investigado a origem de certas estruturas/sistemas biológicos. A duplicação de genes é a uma das marcas da evolução – genes que se duplicaram e divergiram são uma óptima maneira de evoluir novas proteínas (e isso foi demonstrado experimentalmente). O criacionismo do Design inteligente não tem poder explicativo, além disso encontram-se os sistemas/estruturas tal como seria de esperar se tivessem evoluído, duplicando e modificando proteínas, como os cientistas vêm acontecer quer na realidade quer em simulações. Mas mesmo assim os criacionistas podem dizer que foi o deus deles que fez as alterações ao longo do tempo, mimetizando os processos naturais e passamos do argumento da ignorância do “não pode ter evoluído” (que é era normalmente a base da argumentação dos criacionistas do D. I.) para “imita processos naturais, por isso não pode ser desmentido”. Mas o que se faz a hipóteses não-testáveis e que não servem para explicar nada é descartá-las. O criacionismo do design inteligente não consegue explicar nada e, tal como todas as convicções religiosas há uma certa altura em que vai ter de fugir aos testes da ciência. Um exemplo em que isso acontece é quando afirmam que não se consegue distinguir se as semelhanças são devidas ao design ou à ancestralidade comum. Mas mesmo assim, visto que não é obrigatório ter a mesma sequência para ter a mesma função na maioria dos casos (e há vários exemplos de funções semelhantes, mas com sequências diferentes) e pelo padrão genealógico geral (incluindo os fósseis), ainda é possível escolher a hipótese da ancestralidade comum. Mas já se nota a tentativa de fuga.

Sobre complexidade e informação:

Quanto à questão da CSI (informação complexa e especificada), se adoptarmos o critério probabilístico, qualquer sequência aleatória de 20 aminoácidos corresponde ao limite proposto por Dembski, pelo que, pelo menos nessa perspectiva, não tem grande significado para a causa do design inteligente. Se aplicarmos esse critério á adaptação, teria de ser calculada a probabilidade de uma boa adaptação surgir por processos naturais, incluindo mutações e selecção natural (com um limite de 1/10^120), de acordo com o próprio William Dembski, não estando nada garantido relativamente á “presença” de informação complexa e especificada nos seres vivos. Relativamente a atingir um determinado “pico” adaptativo, é bastante fácil arranjar um modelo em que uma população pode chegar a um pico adaptativo muito elevado através da selecção natural e de mutações, não sendo necessária a acção de um deus ou deuses (2).
Quanto à complexidade irredutível normalmente tem como antecessora a complexidade redundante e pode através desta formar-se um sistema irredutivelmente complexo e várias hipóteses evolutivas têm sido propostas para as várias estruturas e sistemas biológicos e têm sido confirmadas do mesmo modo que exemplifiquei anteriormente (ver “Evolução vs hipótese alternativa”).

Referências:


2.      «Has Natural Selection Been Refuted? The Arguments of William Dembski», Joe Felsenstein - Reports of the National Center for Science Education (Volume 27 (2007), RNCSE 27 (3–4)) (disponível aqui: http://ncse.com/rncse/27/3-4/has-natural-selection-been-refuted-arguments-william-dembski


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