domingo, 29 de junho de 2014

Porque não acredito em deus (parte 2): Evidências que me podem converter

Nos meus dois textos anteriores sobre porque não acredito em deus (ainda no outro blog), abordei as origens da minha descrença, sendo que o mais importante se resume a uma coisa: falta de evidências. Desta vez vou abordar evidências que eu aceitaria se aparecessem - mas que nunca foram confirmadas. Uma estátua (de Jesus ou Maria, por exemplo) que protegesse de raios ou tempestades e cura através de orações e rituais religiosos, sem medicamentos ("faith healing") são apenas duas. Em relação à primeira, basta observar que não funciona e, quanto à segunda, também não. Estão fartas de morrer crianças e até adultos nos estados unidos à conta disso (até já relatei aqui um caso) (1). 
Evidências da criação também tornariam a existência de deus mais plausível, como radiação das espécies a partir da Arca de Noé ou Éden (nem encontraram um nem outro sequer, que eu saiba). Mas ainda se podia dizer que isso não provava a criação inteligente por si só, pelo que esperaria ainda algo que representasse um desvio do que se pode esperar de processos naturais (por exemplo, algo como milho híbrido, com muitas plantações, e bananas comestíveis, que já nem se reproduzem sozinhas). Nem estas, nem outras evidências me chegaram a ser apresentadas. Certos cristãos (incluindo criacionistas) têm proposto “evidências contra o ateísmo”, que não são mais do que tentativas (falhadas) para demonstrar que deus existe, ou que é pelo menos plausível. Até agora, nada de impressionante, apenas mais das mesmas tretas recicladas, que eu tenho desmentido nos meus blogs, mas que os crentes continuam a utilizar e reutilizar ad nauseam (2).      
Algumas observações finais: é de notar que as primeiras quatro possíveis evidências são relativas a deuses específicos (nomeadamente o deus cristão), mas a quinta serve para qualquer deus de qualquer teísta. É até mesmo possível (embora menos provável, pois não interfere desde o início da criação) que um deus como o dos deístas deixe a sua marca, no universo. Até agora, nada de suspeito que não tenha já uma explicação natural possível, ou pelo menos indícios de que é uma ocorrência cem por cento natural. 
Continuo ateia (isto é, a não acreditar em deus). Razões para não acreditar? Pura e simples falta de evidências. Até ter notícias, continua tudo na mesma.             

Referências: 

  1. http://en.wikipedia.org/wiki/Faith_healing#Negative_impact_on_public_health  
  2. http://darwinismo.wordpress.com/2014/05/24/cinco-evidencias-contra-o-ateismo/ (Ver os meus comentários)            


Deus é necessário para explicar o universo?

Esta é de sim ou não, e a resposta correcta é... não. Mas vamos passo a passo. Primeiro, temos o argumento do design, em que a probabilidade da vida surgir como a conhecemos é muito pequena, quase impossível. Isso e mais a aparência de projecto, fazia (na opinião dos teístas cristãos) um bom argumento a favor da existência de deus - e ainda há quem diga que deus é necessário para explicar a complexidade da vida. Eis que chega a teoria da evolução para explicar como formas tão improváveis e aparentemente planeadas podiam ter-se desenvolvido (à falta de melhor) para chegar ao que é hoje. Sem deus. Depois, vieram os estudos em química orgânica sobre a origem da vida, que apontam para uma origem natural (discutido anteriormente), ainda que não haja uma teoria completa. Isto praticamente encerrava o assunto, não? Não. Há mais: o universo em si. O universo parece projectado para haver vida, é improvável, tem que ter tido uma causa sobrenatural, nenhum mecanismo natural pode explicar o universo, etc. Errado. E eis que chega a física quântica (da qual eu só percebo a ponta da ponta da ponta do iceberg - e normalmente quem afirma que sabe mais que isso está enganado ou a mentir). Uma coisa eu sei de fonte segura: flutuações quânticas podem dar origem a universos. Vários modelos da origem do universo incluem flutuações quânticas que originam o universo como o conhecemos (a). Nada de deuses, fadas e afins. Há ainda a hipótese do multiverso para explicar o aparente projecto para a existência de vida ("fine-tunning"). E deus está fora. Não é necessário. Nem é uma explicação que possa fazer concorrência: é a pior de todas - pode fazer o que quiser, como quiser e não explica nada. Valeu a pena? Claro que não! As pessoas vão continuar a acreditar que os seus deuses (sobretudo o deus judaico-cristão) são as causas necessárias para tudo e mais alguma coisa. Então, porquê e para quê? Porque me apeteceu, para passar tempo.


Nota:

a.) Ver a hipótese de Linde, que propõe uma “espuma” de fundo do espaço-tempo (onde partículas subatómicas vão aparecendo e desaparecendo), criada a partir de partículas virtuais:http://www.colorado.edu/philosophy/vstenger/Cosmo/FineTune.pdf, ou ainda:
http://debunkingwlc.wordpress.com/2010/07/31/are-vacuum-fluctuation-models-dead/

De volta (não sei por quanto tempo): Compatibilidade entre a teoria da evolução e deus - Não faz sentido.

Não, não um "deus" impessoal, ou um deus que apenas cria e observa o universo - deísmo (ou próximo disso), mas o deus cristão, que tinha a intenção de criar o ser humano à sua imagem  e semelhança (por muito vago que isso seja - inteligente? bonito?), é omnisciente - sabe tudo, e omnipotente - pode tudo e é benevolente, ou pelo menos justo. Dizem que sim, que deus já sabia o resultado do processo evolutivo: nós. Ou que interveio ao longo do processo (através de mutações aparentemente aleatórias), não podendo ser detectado (o que remete essa possibilidade à irrelevância). Mas, e o processo em si? Contingência, desperdício, morte (incluindo de espécies que podem já ser consideradas "humanas" - género Homo, incluindo Homo sapiens), sofrimento.  E o que nos diz desse hipotético deus? Primeiro, não é benevolente - nem sequer justo. Não se rala com o sofrimento da sua criação (não se rala com o que criou "à sua imagem e semelhança"?). Pode até ser sádico. Lembrando que é omnisciente e omnipotente - podia ter feito como quisesse, sabendo se ia resultar, essas são hipóteses plausíveis. De qualquer maneira, transformar água em vinho e fazer um corpo morto há três dias ressuscitar já aponta para que os poderes de deus sejam suficientes para que não precise do processo evolutivo e do sofrimento que isso traz – podia criar de outra forma, indolor ou quase e em que o homem não tivesse que passar por etapas em que era menos apto, menos inteligente, como em Génesis. Agora, pergunto-me: seria esse deus o tipo de deus que enviaria o próprio filho (que já agora, também é ele mesmo) para morrer para poder perdoar os nossos pecados (que já agora ele devia ter previsto)? Não me parece. Esse seria mais do tipo: "quantos mais no inferno, melhor". É claro que há algumas coisas na Bíblia que podem caracterizar esse deus de "mau", "sádico" - os massacres de Sodoma e Gomorra, por exemplo. Ainda assim, pode-se dizer (e é o os crentes normalmente fazem em defesa do seu deus) que eles eram criminosos e mereciam o castigo - deus estava a ser justo, até bondoso, levando as crianças para para o limbo onde podem ser salvas (1). Mas este deus também não é justo (quanto mais bondoso). Que mal fez o desgraçado que não tinha a mutação "X" no sítio "Y", que permitiu a outros sobreviver, sem sofrimento, e reproduzir-se, mas não a ele? Nada. Nem sequer procurou arranjar uma desculpa. E, finalmente, um deus que quer tanto ser venerado, escondeu-se tão bem. Não, não há compatibilidade com o deus cristão. Nem sequer com o do velho testamento, e mesmo não interpretando Génesis à letra. Com outro deus qualquer que se invente, talvez. Mas não com este. Isso é das poucas coisas em que estou de acordo com os criacionistas (2).

Actualização (6/7/2014): 

Certo biólogo cristão (e talvez não apenas ele) chegou a afirmar que a teoria da evolução ajudou a afastar a ideia deísta de um "legislador" distante, aproximando mais a teologia da noção de teísmo (cristão), com um deus que sustém o processo evolutivo, tornando-se interveniente. Para ele (e todos os que partilham da mesma linha de pensamento), sem deus não havia processo evolutivo e este é consistente com um deus teísta. Apoia-se na ideia (errada) de que a evolução é de algum modo "limitada", não no mesmo sentido que Michael Behe e outros criacionistas do D.I. propuseram, mas no sentido de que se se repetisse, daria no mesmo - para afirmar isto, apoiou-se nos fenómenos de evolução convergente (anatómica) (3). Um dos problemas com isso, é que evolução convergente só demonstra que os organismos têm que se adaptar e, por vezes, a anatomia sai semelhante (e, muito mais raramente, resultam semelhanças moleculares). Muitas vezes, nem convergência há (inteligência humana e penas, por exemplo). Outra coisa que não encaixa nessa forma de pensar, é o big bang, que foi um fenómeno quântico que, se fosse repetido, nunca daria o sol e a Terra outra vez. Talvez outros planetas com vida, mas nada garante que fossem iguais a nós (à imagem e semelhança de deus?). Concluindo, não há evidências de que haja um deus por detrás da evolução, ou seja daquilo que for, nem sequer de que a evolução é "limitada" na sua direcção, além de todos os outros problemas referidos anteriormente. Os teólogos e outros evolucionistas teístas bem arranjam subterfúgios e alegam coisas completamente disparatadas, como neste caso em que se distorceu a ciência para ser "consistente" com as crenças religiosas de alguém. Se querem ter alguma credibilidade, podem, como diz o Prof. Jerry Coyne (4), começar por indicar o que seria diferente na evolução das espécies se deus não existisse (fico à espera).   

Nota (7/7/2014): Deus salvou uma família de Sodoma, que considerou "justa", mas o pai ofereceu as filhas aos homens que queriam violar os anjos enviados por deus (em troca destes). Uma explicação seria que o homem não chegou a cometer nenhum crime, isto é, não chegou a ser cúmplice da violação, pois isso não se concretizou, ou que o homem demonstrou pôr deus acima da família e por isso foi poupado (sobrepondo-se o desejo de ser venerado e amado acima de tudo o resto). Podia-se, então argumentar a favor de um deus benevolente, mas capaz de actos injustos.             

Referências:

1. «A ESPERANÇA DA SALVAÇÃO PARA AS CRIANÇAS

QUE MORREM SEM BATISMO» - COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
(disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_con_cfaith_doc_20070419_un-baptised-infants_po.html)

2. God's Omniscience, Henry Morris III (disponível em: http://www.icr.org/article/gods-omniscience/)  

3. «How Are Christianity and Evolution Compatible?», Denis Alexander, 2/6/2014 (disponível em: https://www.bigquestionsonline.com/content/how-are-christianity-and-evolution-compatible) (Via Why Evolution is True

4. «A Christian scientist tells us why evolution and religion are compatible, but gets it all wrong» (Why Evolution is True), Jerry A. Coyne, 6/7/2014 (disponível em: https://whyevolutionistrue.wordpress.com/2014/07/06/a-christian-scientist-tells-us-why-evolution-and-religion-are-compatible-but-gets-it-all-wrong/)