sábado, 31 de outubro de 2015

FAQ (Parte V): Magia

Este é o último texto da série e o mais curtinho, mas nem por isso o menos hilariante, antes pelo contrário…

5. O naturalismo metafísico, é magia pura por definição… Sem mais nem menos e “puff” surge o universo e “dentro” desse universo … Puff surge matéria, energia, e essas coisas dão origem através de “puffs” a toda sintonia, a informação, a eventos quânticos contrários a física clássica, dão origem a vida e a seres racionais, conscientes da própria existência… É um fenómeno e só, é uma magia em si mesma.

Não, nós explicamos, quem não explica os mecanismos da criação são os criacionistas. Isso é que dá a ideia que é mesmo um grande “puff”. Eu acho piada… gente que acredita literalmente em cobras falantes possuídas pelo diabo ou que são literalmente o diabo (já tenho ouvido ambas as versões) que acreditam que um carpinteiro transformava água em vinho e também em varas de porcos possuídos por demónios (já que são fundamentalistas e acreditam que a Bíblia é a palavra de deus) vem-me com esta conversa de que o naturalismo é que é magia... É preciso descaramento!

FAQ (Parte IV): Aleatoriedade e Genética de populações

Esta pode ser difícil de assimilar para quem não tem background nenhum em genética de populações. Julgo que também é por isso que os criacionistas engolem tão bem a propaganda da Gauger e dos seus compinchas do Discovery Institue.

4. É difícil explicar como um caminho necessário para sobreviver poderia desenvolver-se aos poucos, quando não há nenhum benefício até que a coisa toda é montada. (Isso é um eufemismo). Talvez ela estava usando o caminho para outra coisa, alguns diriam, e isso só aconteceu para fornecer os meios para a simbiose. Nós só seriamos produzidos num mundo de sorte onde a via para a simbiose fosse montada.
Eu tenderia a descontar essa história pré-adaptacionista, por ser tão improvável por motivos darwinianos, não fosse eu um proponente do design inteligente. Existem inúmeros outros exemplos paralelos a este, apesar de tudo. Nós encontramos genes pré-adaptados (em inglês) em animais que nunca desenvolveram os planos ou estruturas do corpo que requerem esses genes. O que eles estão fazendo lá?

Eu sei, eu sei, é muita merda de uma só vez. Mas mãos à obra, mais uma vez: quem sabe um bocadinho de genética de populações sabe que não é preciso ser tudo dirigido (por selecção natural ou seja lá por aquilo que for) para as coisas poderem vir a ser úteis. Mesmo que algo não sirva para nada no imediato, pode-se ir aguentando na população se não for prejudicial ou prejudicial o suficiente. Mutações na sua maioria são neutras, certo? Isso significa que não tem um impacto significativo nos organismos nem para bem nem para mal. Daí é perfeitamente esperado que muitas coisas se passem que não sejam úteis nem prejudiciais de imediato, pelo que demoram mais a sair da população, isto é se saírem alguma vez. No entanto tudo isto de adaptativo e não adaptativo depende do contexto. O contexto pode mudar e aquilo que dantes não fazia nada, mas que se aguentou por não ser prejudicial provavelmente passará a ter algum tipo de impacto (que pode muito bem ser adaptativo).
Mais: a co-opção é bastante frequente e está envolvida na evolução de muitas  “máquinas” (com muitas aspas) moleculares.


4.1. Eu posso muito bem aceitar a genética sobre os fundamentos do design inteligente.

Eu acabei de explicar que a genética diz que não é preciso designer. Um designer aqui é no máximo redundante, embora admita que não exclui a possibilidade de haver um designer incompetente que mimetize processos naturais. No entanto não existe confirmação independente para a sua existência sequer. E não me venham dizer que o criacionismo do design inteligente não se foca no estudo do designer, porque design pressupõe a acção de um designer, a verdadeira explicação que eles procuram dar.

4.2. Aleatoriedade não é o motor de toda essa sofisticação, nem da informação, que está acima de tudo.

As mutações aleatórias (consultar o texto sobre probabilidades e evolução proteica) e a selecção natural, etc. são as únicas causas conhecidas que explicam os factos da natureza dos seres vivos (sem precisar de designer). Quanto ao designer, mais uma vez, não existe confirmação independente para a sua existência sequer.


FAQ (Parte III): A prova.

3. Não há nenhuma prova cientifica que proteínas surgem através de evolução cega, desgovernada, sem fins.

Pelo paleio provavelmente o leitor teria percebido, mesmo sem o link, de quem se tratava. Aqui devo direccionar-vos primeiramente para o meu último texto antes desta série sobre probabilidades, que demonstra que a evolução por mutações aleatórias não é de todo improvável. Há várias experiências e observações na natureza que apontam para isso. Não tenho culpa que os criacionistas não as queiram aceitar. Eu posso mencionar os pseudogenes e retrovírus que partilhamos com os chimpanzés, como os cientistas estudam a história evolutiva das proteínas (incluindo a reconstrução dos acontecimentos evolutivos em termos de mutações), quais são os efeitos das mutações nos genes do desenvolvimento. Mas sem alguma pesquisa autónoma não se vai a lado nenhum, por isso recomendo o pubmed (base de dados do NCBI).

Em relação ao texto em si a ser comentado no link, devo, mais uma vez, direccionar o leitor para o último texto antes desta série para atentarem na desconstrução dos argumentos do Douglas Axe (que se baseiam na improbabilidade da evolução de proteínas por mutações aleatórias).

Para além disso… não se diz prova em ciência, diz-se evidência. Prova é para a matemática.

3.1. Ah, as experiencias são feitas por quem? pessoas retardadas, ou pessoas com cognição apurada? Oras Simule um universo despropositado a começar com um retardado criando um computador (…)

Eu não tenho a certeza se já mencionei isto ou não no texto sobre as probabilidades e evolução de proteínas, mas as sequências proteicas no tipo de experiências referidas nesse texto são aleatórias. O que os cientistas fazem depois é ver se há função, mas não criam propositadamente a função. É “criada” aleatoriamente.

3.2. Proteínas no mundo real não existem por processos aleatórios, nem funcionam sozinhas, nem são a prova de correcção, de codificação e descodificação.

Os processos na célula são mais caóticos e aleatórios do que esses videozinhos simplificados que circulam por aí querem fazer parecer (por ex.: há imenso ruído). Mas isto não interessa, porque não estamos a discutir os processos celulares que levam à existência das proteínas (se é disso que esta santa pessoa estava a falar), mas a origem e evolução das mesmas – e essa sim, deriva em grande parte das mutações aleatórias (consultar as evidências supracitadas). 



FAQ (Parte II): Incesto

Não pessoal, não é pornografia, é mais uma série de afirmações estúpidas, seguidas das minhas respostas inteligentes… mas há quem diga que a inteligência é sexy ;).

2. Sem deus não existem argumentos contra o incesto: A ideologia cristã defende que quando se nega que Deus seja a Referência Moral Absoluta, o homem fica moralmente à mercê da arbitrariedade humana.

Há sim argumentos contra o incesto: aumentar a probabilidade da transmissão de doenças genéticas. Honestamente não quero discutir as questões morais por agora, pois não me parecem assim tão fulcrais para aquilo que se deve praticar ou legislar neste caso. Abordarei apenas as questões lógicas e científicas.

2.1. Isso está em contradição com o facto de se aceitar a prática e legalização do aborto, pois assim o argumento das doenças já não interessa.  

Errado. Normalmente nos exames laboratoriais realizados rotineiramente só se procuram alterações “grandes” (cromossómicas), como trissomias, por exemplo, que muitas vezes têm mais a ver com a idade da mãe do que com doenças hereditárias. E mesmo que se vejam muitas das alterações nos outros exames (como são as ecografias), também só se detectam coisas que saltem à vista. Por exemplo, as anemias e a tendência genética para demências não se consegue obviamente detectar, bem como o autismo por exemplo.
Estes crentes são o cúmulo da burrice. E ainda teimam!

Adenda: Usar preservativo faz com que os casais não tenham filhos biológicos e isso pode ser frustrante. Você pode dizer o mesmo dos homossexuais, é verdade ou dos trans, é verdade, mas eu não estou aqui a defender a proibição, mas sim que esse tipo de relações pode não ser das melhores opções - e enquanto que para essas pessoas isso é uma opção, para os homossexuais e trans isso não é bem assim. A alternativa é sentir-se ainda pior e mais frustrado a longo prazo (vs. a curto prazo por não poder casar com a irmã ou ter uma relação séria com ela).
Sim, eu não vejo problema nenhum em legalizar o incesto, mas dizer que não há argumentos contra (no geral, como o título parece querer implicar e mesmo depois quando o texto se desenrola) sem recorrer à religião é falso. 

FAQ (Parte I): Naturalismos

Este texto é o primeiro de uma série, que aborda afirmações e questões dos crentes que julgo que devo abordar, apesar de serem coisas relacionadas a textos anteriores e coisas sobre as quais já tenho comentado.

1. A ciência cinge-se ao naturalismo metodológico, por isso não é de esperar que nada de sobrenatural seja encontrado em materiais científicos como revistas científicas, congressos, etc.

Se os criacionistas e crentes em geral lessem o que dizem os cientistas (pode-se pesquisar pelascitações do geneticista e professor da Universidade de Chicago Jerry A. Coyne, por exemplo) fariam melhor figura. O que ele diz e o que se passa realmente é que a ciência não lida com nada sobrenatural hoje em dia pois nunca foram encontradas boas evidências de nada sobrenatural e não por qualquer princípio metodológico ou filosófico. Tal como ele disse, se isso acontecer ele e outros estão dispostos a assumir isso e até a mesmo a alargar horizontes na ciência de acordo com as evidências. Isto está também relacionado com outra assunto que julgo já ter abordado aqui no blog, que é o facto da ciência não estudar directamente deuses ou a existência dos mesmos ou anjos ou seja o que for. No entanto poderão haver evidências que os tornem muito mais plausíveis – e essas podem ser encontradas e estudadas pelos cientistas, utilizando o método científico.
O que eu tenho dito sobre não haver evidências (que tenham sido encontradas) de nada de sobrenatural é muito provável (afinal em ciência comunica-se, não é?). Quer eles queiram quer não, esta é a realidade. Eu não quero saber se o ego de macaco mal evoluído deles sofre por não haver evidências da existência de um deus que os criou à sua imagem e semelhança, eu vou continuar a divulgar isso mesmo.

Adenda: Talvez isso aconteça com alguns, mas não pode pôr tudo na mesma bitola (ateus incluídos). E quanto a não haver evidências para nada de sobrenatural, é bem provável, mas baseei-me naquilo que foi registado/comunicado – como normalmente acontece com as descobertas relevantes. Não, eu não sei ao certo se sim se não, mas é muito provável.





quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Os criacionistas e as probabilidades

Pois é, estou de volta com mais uma dos criacionistas. Num website chamado "Darwin's predictions" gerido pelo criacionista Cornelius Hunter (que me parece ser o único autor), este escreve sobre "previsões falsas do Darwinismo" como eles dizem. Há um criacionista já conhecido dos leitores que traduziu alguns textos de lá para português: "A evolução das proteínas. – As primeiras previsões da evolução" e "A competição é maior entre os vizinhos. As primeiras previsões da evolução".

O artigo científico referenciado pelo segundo texto fala de uma hipótese evolutiva muito específica e de um caso muito específico: o das algas verdes.

Hunter escreveu:

“Por que esta predição de longa data não foi confirmada ainda permanece desconhecido. Aparentemente, há mais fatores complicadores que influenciam a concorrência, além de parentesco evolutivo.”

Mas isto não ajuda em muito a causa do design inteligente ou do criacionismo, uma vez que:

1. Não demonstra que um designer interveio.

2. Não demonstra a TE em geral falsa nem que a evolução não ocorreu, ao contrário do que pode parecer pelo título.

Não vejo como é que isto possa ser relevante para os criacionistas. É apenas para enganar pessoas mal informadas e que não se dão ao trabalho de ler tudo com atenção. Mas este não é de perto nem de longe o pior texto. "A evolução das proteínas. – As primeiras previsões da evolução" é bem pior. Ignora a discussão científica em torno dos resultados de Axe (ver no Panda's Thumb) e pior ainda, ignora a literatura científica que demonstra que foram obtidos resultados muito maiores de probabilidades para a evolução de novas funções (e é de notar que só foi avaliada uma função de cada vez): http://molbio.mgh.harvard.edu/szostakweb/publications/Szostak_pdfs/Keefe_Szostak_Nature_01.pdf, http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0000096

Ainda no âmbito das probabilidades, os criacionistas adoram apelar para a improbabilidade inclusivamente de conjuntos de mutações pre-especificados (é só a diferença entre o joão ganhar a lotaria ou alguém ganhar a lotaria - todas as semanas/meses ou quase alguém ganha) e até de convergências evolutivas (moleculares e outras). Parecem não compreender o papel da selecção natural nem que por ser raro/improvável não quer dizer que não aconteça. Conjuntos de mutações raras, improváveis, são parte da explicação para o facto de certas pessoas terem autismo. Agora não me vai dizer que um designer inteligente concebeu propositadamente um cérebro com autismo. Normalmente um designer pretende construir coisas que funcionem bem, pelo menos e um designer inteligente (especialmente se for todo poderosos, etc.) constrói coisas que funcionem.Também, por ser difícil de perceber não quer dizer que se apele para um designer.

Mas eles não querem acreditar na evolução. Tudo bem. Não precisam de crer na TE. Há muitas evidências a apoiar a evolução como facto histórico e sabemos o que produz o tipo de mudanças que ocorreram no DNA – são as mutações (dá para ver pelas análises genéticas até alguns tipos de mutações que ocorreram ao longo da linhagem evolutiva). Tanto quanto sabemos, estas ocorrem naturalmente (incluindo conjuntos improváveis de mutações que frequentemente aparecem juntas para produzirem certo efeito (ver o caso dos autistas). Mas tudo bem, não precisa de aceitar esta explicação. Mas isso não implica que tenham que aceitar um designer, só porque na sua opinião esta não funciona. Não faz mal dizer ” eu não estou convencido, mas também não sei o que foi que aconteceu”. É claro que se pensarmos um bocadinho, eles na maior parte dos casos só não aceitam a explicação científica por motivos religiosos - daí apelarem depois para um designer.