quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Mais sobre evolucionismo teísta, as suas incoerências, genética de populações e criacionismo

Há uns tempos escrevi sobre as incoerências do evolucionismo teísta ("cristão"), e depois resolvi pedir a opinião de um cristão (o Daniel Pereira do "Considere a Possibilidade") sobre certos atributos de deus que pareciam apontar para tendências narcisistas. Aqui está a resposta:  
«Oi, Maria!
Desculpe minha LONGA demora para responder, mas eu estava na Itália, em um lugar sem muita internet disponível, e só vi agora seu post.
O problema que você apresentou, sobre Deus ser narcisista, já me incomodou muito, até eu descobrir que ele não é sequer um problema. E tudo é bem simples.
1. O primeiro dos Dez Mandamentos é “Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito, da terra da escravidão. Não terás outros deuses além de mim.” (Êxodo 20:2-3). Ponto 1. Se Deus é justo, ele faz mandamentos justos, que podemos e devemos cumprir, pois um Ser justo jamais mandaria que realizássemos algo impossível. Ponto 2. Se Deus quer ser justo e coerente, precisa obedecer a esses mesmos mandamentos. Ponto 3. Se Ele permitir ou aceitar ou estimular a adoração, veneração ou elogios a qualquer outro deus está sendo, Ele mesmo, idólatra, injusto e incoerente. Portanto, Deus precisa adorar a Si mesmo afim de não ser idólatra, e incorrer em um dos pecados mais graves. E o fato de nos lembrar de adorá-lo é um constante chamado ao abandono do perigo da idolatria – e portanto, um ato de amor de Sua parte. Isso é bem diferente de narcisismo, porque Narciso SE JULGAVA “divino”, por assim dizer, embora não o fosse, enquanto que Deus, por ser Onisciente, SABE disso.
2. O evolucionismo teísta é bobagem, pelas razões que você apontou e porque a própria Bíblia o diz em Romanos 1:20: “…desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas CRIADAS…”. (ênfase minha). A palavra que eu enfatizei, no grego, é “poiema”, que significa algo feito com as próprias mãos. Se Deus usa morte e acaso para criar ele não é nada mais que um demiurgo brincalhão. (Além disso, lembrar que um conceito evolucionista já existia na filosofia grega à época em que Paulo escrevia, e Paulo ignora completamente o uso desse conceito na formulação dessa doutrina.) Agora, na natureza vê-se ordem, mas vê-se entropia; vê-se a beleza do nascimento, mas a feiúra da morte, o que é perfeitamente coerente com Gênesis 3 (que Paulo tinha em mente quando escreveu Romanos). O criacionismo é bem mais, eu diria, corajoso, porque fala o seguinte sem ter a menor vergonha: Deus criou um universo perfeito, que depois caiu em entropia por causa da maldição que Ele mesmo lançou no universo, e que sofreu um dilúvio de proporções bíblicas (HA! Quero ver evolucionista fazer esse trocadilho!). O que vemos no mundo de hoje, desde a seleção natural, à entropia genética e o registro fóssil, podem ser explicadas por isso. Pode não ser científico como quer Popper, uma vez que não pode ser reproduzido, nem testado, mas faz muito sentido lógico. Opa se faz. Os processos “evolutivos” (seleção natural, entropia genética etc) são explicados como uma consequência nefasta do pecado, e para eles é oferecida uma promessa de eliminação: “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou.” (Apocalipse 21:4) Resumindo, Maria: o criacionista tem um modelo coerente. O evolucionista teísta não.»
O primeiro ponto pareceu-me internamente coerente - e não desmente nada do que eu disse anteriormente sobre o facto de deus querer ser notado e adorado ser incoerente com o uso do processo evolutivo. Só que não tenho a certeza de que tudo o que deus fez na Bíblia possa ser considerado justo. No segundo ponto, as objecções contra o evolucionismo teísta baseiam-se numa interpretação literal da Bíblia, que de facto, pelo menos neste caso, não me parece descabida - não vejo nenhuma metáfora na frase referida, ou qualquer sentido alternativo possível.
Ainda relativamente ao mesmo ponto, é de notar que "entropia genética" (pelo menos que eu saiba) não é nenhum termo científico, mas um termo inventado por criacionistas. Eles pensam que o facto da selecção ser menos eficaz em populações pequenas com alelos com pouco benefício selectivo é um problema para a evolução em geral, e que a proporção de mutações benéficas para mutações deletérias é também um problema, mas estas não devem ser tantas como se pode pensar à primeira vista, uma vez que grande parte das mutações vai calhar no lixo genético, também, só que não há problema nenhum, exactamente pelo que eu acabei de explicar e por outras razões (*).
* Nota: Ver mais aqui: http://letterstocreationists.wordpress.com/stan-4/, http://sandwalk.blogspot.pt/2014/04/a-creationist-tries-to-understand.html, http://newtonsbinomium.blogspot.pt/2006/10/review-of-mystery-of-genome-ii.html, http://www.genetics.org/content/190/2/295.full - Rates and Fitness Consequences of New Mutations in Humans, Peter D. Keightley1, doi: 10.1534/genetics.111.134668Genetics February 1, 2012 vol. 190no. 2 295-304, http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022519385701671 - Contamination of the genome by very slightly deleterious mutations: why have we not died 100 times over?, Alexey S. Kondrashov, Journal of Theoretical Biology - Volume 175, Issue 4, 21 August 1995, Pages 583–594.

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