segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Compatibilidade entre a teoria da evolução e deus – Não faz sentido (Cont.) - Adenda

Tangencial a este assunto, é o facto de certos teólogos (e crentes no dia-a-dia) continuarem a argumentar que deus tem razões válidas para se esconder, quando os ateus apontam que sendo omnisciente e querendo que acreditem nele e o venerem, devia saber a importância de fornecer evidências da sua existência. Uma delas é que deus quer simplesmente que acreditem nele, por fé (mas isso não implica, como eu já apontei nos comentários ao texto sobre as evidências que me podiam convencer, que não deva haver evidências nenhumas, nem sequer que fornecê-las não tem de todo importância, mas que haja espaço para duvidar - ou acreditar com uma certa dose de fé, por exemplo, através de evidências de design na natureza, da radiação das várias espécies a partir da Arca/Éden, ou seja, menos "directas", que não existem - o que existe são evidências da evolução e de nada que saia fora do que é natural), outra é que se ele revelasse a sua existência sem espaço para dúvidas, por milagres, por exemplo, isso poderia tornar-nos "cegos" a outras virtudes que ele nos quisesse ensinar. Mas é claro que uma solução mais inteligente e coerente com quem quer ser venerado a todo o custo, seria ensinar essas virtudes revelando-se directamente. A resposta dos teólogos (pelo menos de um deles), é que um milagre divino não seria tão convincente, como percebermos por nós próprios. O argumento falha porque a maioria das pessoas tende mais a acreditar por milagre e não por "descobrir por eles próprios" (1) (deus devia saber isso). Parafraseando: "Tens a certeza que não está escondido debaixo de uma pedra porque nos quer ensinar a ser pacientes?"
Outro dos passatempos preferidos dos teólogos em geral, é argumentarem que os ateus não estudam os melhores argumentos para a existência de deus, o que não é verdade (pelo menos para todos), e aquilo a que eles chamam de "melhores argumentos para a existência de deus" não tentam sequer estabelecer um caso para o deus da Bíblia e da maioria dos cristãos, específicamente, mas para uma ideia panenteísta muito mais vaga de deus, que se revela de modo imprevisível, tendo mais hipótese de escapar ao crivo de possíveis testes (mas que ainda assim continua a ter características antropomórficas, embora menos), não são bem sucedidos, mas constituídos por uma série de premissas (ex.: a nossa capacidade para perceber a verdade do que nos rodeia, que pode ter sido produto da evolução por selecção natural) das quais a existência desse deus também não segue necessariamente (2). Essa noção vaga não é o que está em causa para a maioria dos crentes com quem se discute, além de que aproximadamente metade dos crentes, e já chegou a mais de metade há bem pouco tempo, são criacionistas da Terra jovem, dividindo-se o resto entre o evolucionismo teísta e o criacionismo do design inteligente nos Estados Unidos (3). De qualquer maneira, não me parece haver revelação nenhuma (previsível ou imprevisível), à excepção daquilo a que se chama “revelação pessoal”, que me parece (e não só a mim (4)) não ter nada a ver com este tipo de deus, e vindo de um deus diferente de cultura para cultura, pelo menos, como era de esperar se não houvesse deus nenhum, apenas as experiências subjectivas de cada pessoa, influenciadas pela sua tradição, ou houvessem antes vários seres/deuses a comunicar. Então, porquê acreditar? Não tenho quaisquer razões para acreditar nesse deus (ou sequer em vários, pois não poderia verificar nada), tal como não tenho razões para acreditar no deus dos criacionistas, do qual também não há evidências a favor, só contrárias, e que indicam evolução e não criação instantânea.   

Ref.:

1. "Peter Van Inwagen explains why God is hidden", Jerry A. Coyne, 17/8/2012, Why evolution is true (disponível em: http://whyevolutionistrue.wordpress.com/2012/08/17/peter-van-inwagen-explains-why-god-is-hidden/

2. "Religious Believers' Favorite New Book Is a Failed Argument for God", Jerry A. Coyne, 16/4/2014, New Republic (disponível em: http://www.newrepublic.com/article/117393/david-bentley-harts-experience-god-isnt-must-read-atheist)  

3. "Evolution, Creationism, Inteligent Design",Monday, August 18, 2014, Gallup (disponível em: http://www.gallup.com/poll/21814/evolution-creationism-intelligent-design.aspx)

4. "David Bentley Hart on God", Jerry A. Coyne, 2014/03/24, Why Evolution is True (disponível aqui: http://whyevolutionistrue.wordpress.com/2014/03/24/david-bentley-hart-on-god/)


Actualização (30-08-2014):

Ao que parece existe uma passagem no novo testamento em que Jesus diz que não serão concedidos sinais aos descrentes. E aos crentes, para lhes reforçar a fé e garantir adoração continua da sua parte? Faria sentido. Por exemplo, revelar-se consistentemente a todos os crentes que precisassem da sua fé reforçada (é daí que provem a maior parte dos ateus) - não vejo nada disso. É claro que continua a ser preciso uma certa dose de fé para acreditar que foi aquele deus especificamente. Mais ainda, essa afirmação não faz sentido à luz do que sabemos sobre o deus do antigo testamento (*), que quer que o adorem, precisa de ser notado. E Jesus pretende referir-se ao mesmo deus. Assim, a explicação mais plausível, assumindo o teísmo (pois a outra seria impensável se a ideia de deus do velho testamento fosse a correcta) é que Jesus não era seu filho, nem divino, e isso não lhe foi revelado por deus (o que está de acordo com a versão judaica da história). Outra é que Jesus não disse nada disso e quem escreveu isso estava errado. É claro, que se não assumirmos nada, nem deus existe, nem Jesus era divino nem filho de deus. Temos um problema de conflito interno, além do conflito da caracterização do deus judaico-cristão com o uso da evolução. É de notar ainda que com a sua falta de sinais e evidências, os objectivos pseudo-narcisistas de deus não estariam a ser cumpridos em bastante mais de metade da população mundial, que são hindus, budistas, taoístas, muçulmanos, wiccans (incluindo ateus, panteístas e politeístas), cientologistas, possivelmente alguns cabalistas, ateus, agnósticos, deístas, outros panteístas, outras pessoas sem religião (incluindo teístas - normalmente algo vago entre o teísmo e os deísmo, aproximando-se à visão da igreja católica, por exemplo), até alguns que se identificam como cristãos, mas que no máximo seriam identificados como deístas (e ateus na prática), índios, etc.          
Nota: A não ser que por "sinal" ele queira apenas dizer "milagre" ou "revelação directa", ou que com essa frase queira apenas dizer que tem que haver sempre espaço para a fé, que como eu já disse, não significa uma total falta de evidências – indícios de design na natureza, que não tivessem explicações evolutivas possíveis ou outras, por exemplo. 

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