terça-feira, 26 de agosto de 2014

Deus na cosmologia moderna

 

"God & Cosmology" - 2014 Greer-Heard Forum



(Via “Why evolution is true”)

 

Como Sean Carrol afirmou na primeira intervenção, a hipótese de deus nem é considerada no estudo da cosmologia (por ser vista como uma péssima hipótese, infundada, desnecessária), ao contrário do que o público leigo pode ser induzido a acreditar. De resto, saliento alguns aspectos importantes da discussão entre Carrol e Craig:  

 

- Existem vários modelos do nosso universo em que este não tem um começo e são possíveis descrições do nosso universo como sendo eterno (com uma transição para o espaço-tempo, ou um momento em que a entropia é a mais baixa – big bang), incluindo o do próprio Sean Carrol, e outros que vão de menos infinito a mais infinito. 

 

- No modelo de Hawking e Hartle – “no boundary quantum cosmology model” – o Universo não tem um começo no tempo, mais uma vez enfatizando que os “primeiros passos” do nosso universo não são para ser compreendidos apenas através do senso comum (por isso, afirmações simplistas do tipo “tudo o que começa a existir tem uma causa/ causa transcendente” falham redondamente a abordagem – não se deve tomar nada como garantido, incluindo que o universo começou a existir no tempo e que tem que ter uma causa, ainda que isso assim seja), nem nada nesse modelo depende da existência de algo fora do universo. Se é possível construir um modelo destes do nosso universo (tendo em conta tudo o que se observa nesse universo), então é possível que isso assim seja na realidade. 

 

- O multiverso, previsto por várias teorias da física explica a aparência de “fine-tunning”, portanto deus não é necessário nem mais provável por isso.

 

- Com um deus que criasse um universo “afinado” para a existência de vida, era de esperar que o universo estivesse apenas suficientemente “afinado”, sem mais nada que não viesse a propósito (“para quê?”, podemos perguntar-nos, “que despropositado, como se fosse acidental…”). Não é o que observamos. O que observamos é exactamente como se fosse algo despropositado: por exemplo, a entropia do universo jovem era muito, muito mais baixa do que seria preciso para haver vida. Além disso, a vida (como a conhecemos) é insignificante no todo do universo.

 

- Um exemplo de evidência a favor do teísmo que mais uma vez não se verificou: Partículas e parâmetros da física de partículas teriam algum tipo de estrutura, talvez “assinatura”, que permitisse distinguir algo de racional, mas não têm – é tudo aleatório e uma confusão. 

 

- Se o deus teísta (como o da Bíblia ou do Corão) existisse, devia haver evidências (mais ou menos óbvias) para a existência de deus. Não há. As religiões (e experiências religiosas) deviam, pelo menos, ter muito mais em comum e haver um código universal de normas morais (como seria de esperar num mundo com um deus que quisesse que a humanidade em geral obedecesse às suas leis e mandamentos). Isso não se verifica.

 

- O teísmo não é algo bem definido pelos próprios crentes, é flexível ao ponto de negarem quase tudo o que disseram anteriormente a seu belo prazer (como seria de esperar se fosse uma personagem inventada a partir de um conto antigo). E é assim que fogem ao escrutínio, não havendo previsões sólidas que se possam pôr à prova – nem evidências, o que faz com que seja uma péssima hipótese em termos científicos, embora muito útil ao crente fervoroso. Mas se não fizessem jogo sujo, a hipótese já estava descartada há muito.   

 

- Por último, mas não menos importante: “teísmo” é, muitas vezes, desculpa para parar de raciocinar/pensar. Basta dizer que “deus fez” para explicar tudo e mais alguma e o assunto fica resolvido.

 


O Craig fugiu de debater os pontos relativos às observações que contrariam possíveis (uma vez que temos um problema de fuga ao escrutínio) previsões do teísmo, às evidências em falta, excepto no que toca ao assunto da entropia (ele afirma que deus podia ter feito isso assim para ser perceptível por nós, mas isso não explica, pois de outra maneira seria igualmente perceptível). Falha em reparar em certas nuances e implicações da resposta de Carrol – por exemplo, relativamente ao modelo de Hawking e Hartle, que não se deve tomar nada como garantido através de senso comum, o que significa que a abordagem dele está errada do princípio ao fim. Mais ainda, ignora que o universo não é, por exemplo, análogo a uma bicicleta que se encontra no espaço e tempo deste universo, estando sujeita a leis (regularidades) e é parte de um todo maior interactivo. Continua a reforçar a sua ideia inicial de que os dados da cosmologia tornam a hipótese teísta mais provável, ignorando os problemas da explicação teísta para a aparência de fine-tunning, que não tem nada de melhor do que a alternativa, ponha-lhe ele os defeitos que puser (especialmente se considerarmos que deus podia ter criado vida e vida inteligente de muitas outras maneiras, e o universo de várias outras maneiras). Outra das coisas é que o Craig acha que o multiverso não funciona como explicação porque é muito mais provável que existam universos com cérebros do que com pessoas... mas vários modelos de multiversos passaram o teste probabilístico aplicado pelos físicos (pelo menos segundo Carrol, e não tenho razões para duvidar).   

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